quinta-feira, 16 de agosto de 2012

DEGUSTA DUMONT... DELEITE!



Quanto cabe de afeto em nosso tanque? Pois me sinto tão abastecida... quanta coisa pode estar contida em minúcias de gestos amorosos que nos permitimos primeiramente conjugar, e enfim acolher? Cerceamento de afeto familiar, surpresa de família toda reunida... reunindo cuidados, levantando cedo num sábado que pedia cama e cobertor de manhã. Delicadeza de gestos... foi o que eu colhi, num evento chamado PRIMEIRO DEGUSTA DUMONT.




Quanta doçura está contida num pacote de biscoitos casadinhos em formato "de coração", entregues por aquela "Cora Coralina", de nome Aparecida? 
Assim, bem de manhãzinha, como que plantando afeto num lugar que seria abraçado o dia inteiro, por sua gente dengosa por afagos, como esse, me aparece aquela senhorinha, com um pacote de corações na mão, recheado de goiabada, fruto do trabalho dela e me diz: "Suas palavras me tocaram aqui (e coloca mão no peito), vou levá-las comigo para sempre". Dona Aparecida fez suspiro... suspirei por horas à fio com o que ela me disse. Isso se chama ACOLHIMENTO. "Gentileza  gera gentileza" já anunciava o "Profeta". Quanta delicadeza embutida... acho que batizamos a praça com o afeto que nasceu ali. Da senhora que vive no Patrimônio, num canto que faz parte do meu enredo. Vem daquele chão de terra batida, mas não deixa a poeira do asfalto contaminá-la no gesto. Cora Coralina, fazendo doces e recomeçando todos os dias. A personagem que imagino ao ler o texto, tomando vida, bem ali na minha frente, o nome disso é PRESENTE.
Passado que o presente engoliu... jogando semente no meu futuro.




                                                     




 Poesia no gesto, sensibilidade na alma. 





Quanto cabe de afeto, num "recipiente hermeticamente aberto" num sorriso, de nome: Monica!? Delicada no gesto, amorosa na fala. Que se presentifica como "platéia" em eventos da cidade. Queria as minhas "jabuticabas", me encheu de carinho, e por ela eu subiria no pé, para entregar as mais doces, suas merecidas.Monica é palco!




O moço, que de manhã se incomodava com o cachorro bonito:
"Fotografa ele moça! Olha que cachorro bonito! Podia colocar na internet e achar alguém para adotá-lo! Coitadinho, as costelas à mostra, imagine ele bem cuidado!?",
Apelo feito, foto tirada, banco de praça, prosa que rendeu. Depois de poetizar sobre a vida, sobre os cuidados com os animais, sobre os valores, me disse algo sobre a ENERGIA, do quanto ele acredita na energia do bem. No final da tarde, nos reencontramos, ele todo animado, o cão já não era mais sem dono... e ele passeava com os seus também tirados das ruas... e de longe exclamou de novo... "ele foi adotado! Foi a ENERGIA!". 




O que faz uma praça... musicada, poetizada, habitada, quando a comunidade dialoga com a diversidade, com a cultura, com gente de verdade? Faz diferença...





O sobrevoo das andorinhas no fim do dia,  enfeite da árvore ao lado do "palco", nos intervalos davam "canja". Cantavam juntas e comemoravam tantas visitas... de um movimento lindo e educado, sem nenhum foguete, sem pólvora... só música. A moça e o violão, traduzindo com palavras, o que eu ainda costurava lá por dentro... falou do público de uma praça, esse público que se renova, que enche e esvazia, que para, que passa apressado, que passa correndo, que dobra a cabeça espiando e por vezes interrompendo o movimento do corpo... 







Passeios entre barracas de queijo, doces, biscoitos, a menina que me conta o segredo de pegar o queijo em uma barraca e molhar no doce na outra... menina Alzira! Tem açúcar nos olhos... e derrama por onde passa.
Festa com banda e algodão doce... 

O papo bom com primo músico que descobre a prima que gosta de brincar com palavras. O papo bom com outro primo, que conta história da moça que vendeu o guarda roupas para comprar câmera fotográfica... loucuras pela arte e pela vontade de vivê-la...

O moço que copiava um poema no pedaço de papel sobre a carteira, equilibrando e pedindo emprestado a caneta, era cópia para alguém que ele sabia que gostaria de ler aquilo que ele leu... eu li tanto amor ainda naquela história... um primeiro dia  de desapegos tão cheio de cuidados apegados. Pensei no quanto ainda gosta  da moça que receberia aquele gesto... no quanto podia ser ponte a palavra.

Quando criei o Relicário e o chamei de Urbano, eu queria urbanizar a poesia... possibilitar encontros.  


O que dizer do Menino do Chapéu? Santos Dumont, menino que vislumbra aquilo que ninguém consegue imaginar que dê certo, que corre de um lado para o outro, e faz tanta coisa, tanta gente se movimentar! Inventa de colocar nota de música em folha de alface na feira, inventa de colocar doce "deLEITE" na praça e faz tudo conjugar, multiplicar! E sorri um dia inteiro, corre para lá e para cá, quando some alguém pergunta: "Cadê ele?" E no fim da noite ainda encontra fôlego para CHORAR... chorar, chorinho, musicar com som de outro tempo a praça enternecida, mesmo com o frio rasgado. Desassossego, é o que "É CHORO UAI" provoca, é uma turma de desassossegados, que conseguem circular o dia inteiro com gestos gentis  e no fim do dia, após longas e lindas dez, doze horas de trabalho... sobem no palco sorrindo, cientes do "efeito viral" provocado, e contagiam à todos com essa viagem no tempo... 


O avião que eles inventam, é o de viagem de volta, o único capaz de fazer de uma pequena cidade mineira um refúgio pra quem um dia dela partiu... 
Santos Dumont, faz doce, faz queijo, RECOMEÇA!





Eles plantam "mudas falantes" de música, em pés de alface... mas não contam para ninguém a melodia que isso faz quando (es)colhemos que toque dentro d'agente! 

Escrevem a história...
só não sei se já se deram conta de que é o que estão fazendo.

Aline Barbosa - Relicário Urbano


terça-feira, 14 de agosto de 2012

Eu gosto de móvel antigo, de árvore frondosa plantada no quintal, de jabuticabeiras de família que faz geléia todos os anos. Gosto do gosto do talher que venceu gerações, alimentando a prole, e guarda o gosto da história nele contida. Gosto do crochê de família, feito pela avó, sendo disputado pelas netas. Gosto de me sentar numa cadeira e imaginar  os que se sentaram ali. Gosto de paredes cheias de digitais de antepassados... talvez eu goste mesmo de todos os fantasmas que o interesse financeiro quer aprisionar. Gosto, sobretudo, de porta retratos recheados com fotos amareladas. Gosto de olhar janelas antigas, de casario quase inexistente, e imaginar as senhoras apoiando a toalha de renda, o jarro com flor, esperando procissão de São Miguel passar.

Aline Barbosa - Relicário Urbano
Agosto de 2012

Precisamos urgentemente de flores e de jardins, de árvores sendo plantadas, de poesia escorrendo nas ruas... estamos envenenados pelo asfalto, pelo cimento, pelo desrespeito às faixas de pedestres, pelo excesso de sonoridade das ruas.
Precisamos de ares de cura, de verde encontrando céu azul, nos lembrando que não somos as máquinas... somos o SER, de todo o TER que tanto nos seduz... 

Aline Barbosa - Relicário Urbano - 02/08/2012